(imagem de pedro s. martins)
Nunca se olha para o espelho
sem que a crista esteja devidamente
esquadrada. Sensação pululante de se constatar
naquilo em que a noite torneou
a carne.
Sonolência animal, rarefeita do algodão,
rítmico quotidiano ditado pelas complicações
de um relógio velho incrustado pelas antigas
noites.
Cada vez mais, as noites são suspensões
menos dos dias em que não quero viver. Pudesse,
ser outro que não este insecto exaltado, e as manhãs
teriam o cheiro ameaçando que estava tudo
bem. Está tudo bem, meu filho.
Brincando com o ar do despertar, ventre, constelação
dos dedos
da parteira, rodado, vive rapaz, respira, chora
enquanto comoves quem te espera há meses.
Cama, toque a galope, espelho – não pode ser
apenas isto. Quero acordar e transmitir a minha nova
forma, exercício de dança rolando
entre melodias dos
Yeah Yeah Yeahs e as palmas embatidas
no tecto do mundo. Dança, pela boca, membros exaltados,
pardal, grato ao gato, uma braçada de lenha
para o meu fogo lavrar até a música
acabar.
Será por isto que Cardoso Pires fumava ao espelho
acompanhado com o seu sorriso de puto? Sem parar,
glória à terra e a tudo o que ela
nos consome na toca dos lobos onde não há ateus.
E agora, senhoras e senhoras, meninas e meninas, penteado
de crista simétrica, é o meu regresso ao esplendor desta
vida só: fora com a cabeça. Não passo, todas as manhãs,
de um rato de sarjeta a olha pelo respiradouro
para o que podia ser a minha vida,
depois de virar costas
ao acordar.,,
organismo equilibrista à procura do desequilíbrio
no meu ilustrado reflexo.
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pedro s. martins
"não pode ser apenas isto".
ResponderEliminartambém acho que não...
pedro, estive a ler os teus poemas recentes, e ao contrário do que aqui dizes neste, creio que é antes o equilíbrio que tens procurado e tem sido cada vez mais interessante ler-te... um beijo.
ResponderEliminareu tenho uma coisa cm espelho. o símbolo que faço com espelhos. e agora caí numa casa que já quase a chamo de casa dos espelhos. o seu poema e melhor que meus símbolos. infinitamente.
ResponderEliminare o teu lado plástico, hein! amei esta imagem :)
cada vez mais procuro o equilíbrio no desequilíbrio dos sentidos.
ResponderEliminareste poema não é melhor que nada. é apenas este poema.
e espero pelo que virá depois de "apenas isto".