domingo, 28 de junho de 2009

rosto brilhante

Eles têm imagens de tudo,
até de raparigas trabalhadoras
de quartos abalados
pela massa tremenda
do aluguer.

Cerradas, encarceradas
apenas com ferros frios
nos dentes; bebem a centelha
de uma cratera cheia
de fogueira-

-vergonha.

Venham ver o acto de consumir,
tão perto da dormência
de um povo, perto do nervo
calcinado que quer ferver
e dizer que a voragem
é máxima nos dias
em que não durmo.

São ininterruptos
acessos a quem precisa de alguém
que não seja
alguém menos profundo e denso
que o interior
do homem-mármore.

Abalados atabalhoados
os que limpam a boca
à toalha
sistina saia de quem não tem
gosto para menos.

Alguém te poderia ceder um grito, agora
que estás em quarenta de aluguer
sexual e continuas
vaidosa de saia
rodada.
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pedro s. martins

quinta-feira, 25 de junho de 2009

percentagem de alcatrão

Rebenta em mim a solidão
da manhã da noite. Momento
em que descem os erros
do dia, mas ainda é cedo
para saber até onde irá a ampola
da escuridão com todos
os seus demónios.

Combato os meus pretéritos
dependurados em mim
com uma mistela à base
de halogéneo.

Dentro do quarto, o cigarro
que não se deixa fotografar. Dentro
de mim, farmácias de amores
provocadores
de saudades prestigiantes.

Rebenta em mim muito
mais do que a solidão. Com o passar
da vida, rebento eu e não estou só, há
a solidão que é cadela de companhia.
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pedro s. martins

terça-feira, 23 de junho de 2009

Livros [s]em Critério com nova casa

Sendo um dos blogues que melhor trata as novidades literárias, vale bem a pena mencionar que o Livros [s]em Critério mudou-se de armas e bagagens para aqui.

As alterações não se ficam por aqui, e o eraumavezumrapaz.net passou a portrait of the man as a young artist e pode ser consultado aqui.

Resta-me apenas desejar a continuação de bom trabalho ao Tiago.

O beijo na carapaça da tartaruga

Começa a fecundação da morte
com a janela aberta ao mundo. Pássaros
a inventarem harpas com as asas
e loucuras
cantadas de bico em bico. Tomas
na ferida esta bênção ignota
que não faz adivinhar
o homem deitado
de pés juntos à cadeira.

Cadeira aproximada, arcadas
do inferno mais próximas no começo do
final. Corpo enroscado na cadeira, persiana
corrida e a matéria deixa de ser
absorvida pelo coração não batente. O calor
deixa de ser combustão nas veias, é a perda
final da inocência terrestre.

Fio de luz traduzido em
reflector maldito da argila que é
o teu joelho errante. Da sala pouco se vê,
sombras e espectros de espinhos dançando
imóveis por ti. Se estás morto,

não vale
a pena continuar a berrar a infância
perdida algures antes deste poema
começar.

Preto e pleno
sangue pastoso suspenso
neste último fotograma. Já não te vejo
espelhado em nada – podes até já nem estar aí – apenas
a recordação do trio inicial que retrata
a tua morte em fotogramas. Dia

sensível,

porta, fogo, cabelo e pele desapareceram na troca
para esta noite marmórea. Resta
a contra-luz em forma de cruz
que é aviso dos furos na persiana. Levanta-te
e não podes.
Caminha e rejeitas. Vive e morrerás junto à cadeira
que te viu nascer.
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pedro s. martins

(poema inspirado no trabalho “Anatomia da Morte” de André Fonte. Trabalho divulgado no segundo número da revista praza.)

segunda-feira, 22 de junho de 2009

entre o vivo, o não-vivo e o morto

Eis o índice do terceiro número, onde podem ver os títulos dos textos correspondentes ao nome/pessoa. Reforço aqui a entrevista de 10 páginas (!!) a Beatriz Batarda, a quantidade é igual à qualidade, 10 em 10.

7: Pedro S. Martins – Sanzala incandescente

9: Rui Sousa – Não te curvaram sonhos proféticos

11: Adolfo Luxúria Canibal – Acordei Com Fome

12: Rui Manuel Amaral – cinco poemas muito curtos

15: J. M. de Barros Dias – O Aleijado da Europa

16: Paulo José Miranda – O Chapéu de Chuva

18-23: Marija Toskovic (folha central)

24: Henrique Manuel Bento Fialho – Knock On Wood

26: Sílvia das Fadas – Morder o Coração

28: António Carvalho – Carne, Consciência, Ontogénese (crónica)

30: valter hugo mãe – Física e Química (crónica)

32-42: Gonçalo Frota – Iniciais BB (Entrevista a Beatriz Batarda)

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Poetas Aqui e Agora

No âmbito do ciclo "Poetas Aqui e Agora" a Livraria Poetria realiza uma sessão de poesia de novos autores no próximo domingo 21/6 pelas 18 horas no Breyner85 (R. do Breyner, 85 - Porto). Entrada 2 €.

Não se podem perder nem desperdiçar nem ignorar; precisamos de as receber, suportar, amarrar com finos nós de emoção aos nossos estilhaços internos e externos - estas (e muitas outras) palavras que salvam do esquecimento e da mentira:

"Foram-se os tendões que recolhem os braços..." ; "A culpa é vossa gajas boas/ só aparecestes agora que o poeta está rebentado, feito em pedaços..."; "As minhas/ ensurdecedoras/ batidas cardíacas/ ribombam/ na minha/ montanha interior..."; "Destruam o que for preciso/ enquanto os instrumentos tiverem voz(...)/ queimem fotogramas com a vossa alma/ repleta de quadros recalcados..."...

"O POETA É O QUE VÊ PRIMEIRO..."

Leitura de poemas de: Nuno Brito, Pedro S. Martins, A. Pedro Ribeiro, Minês Castanheira, Marco Dias, José Carlos Barros, Tiago Patrício, Ruy Narval por: António Pinheiro, Susana Guimarães e Armando Dourado.

terça-feira, 16 de junho de 2009

miro

(José de Quadros)

Não consigo ver
morrer tão friamente.
A tristeza de Domingo à tarde
é o melhor
pretexto para se esperar
pela morte
no Porto.

Vejo-te daqui,
pagas a estadia
junto das pessoas,
no café,
com um refrigerante
que fazes durar no copo
quase uma tarde.

Duas televisões, e tu
a olhar pela montra
a rua. Contas autocarros
como quem conta quantas
raízes ainda tem na vida. A tarde
caminha, tu ficas a contar
para ti:

“Um para a Areosa, um
para o Marquês.”

Sozinho, mal
amanhado dentro de trapos
velhos, velho.
Idade que te sopra
no ritmo diurno de se ver morrer,

lentamente, mergulhando
na convulsa clareira
da montra.

Nesta tarde, todas as tardes
da tua vida. A frota dos STCP é
o teu ábaco, o teu relógio, as tuas
pessoas, a tua vida
com furos, poros, portos,
estadias saltitantes entre a vida, a morte
e os entes que te abandonaram
entre todos.

Felizmente, não te observo
durante o bafo
vertente da morte
diária que serão as noites arrasadas
pelo fechar dos cafés, o abrandar
dos autocarros e,

consequente, a viagem
da tua vida até ao fim,
vírgula.
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pedro s. martins

terça-feira, 2 de junho de 2009

rosa da vitória

Este pedaço de corpo
abraça o pedaço de corpo
que está ao meu lado na multidão.
Somos massa compacta na espera
que a ardente melancolia da música
nos escave fendas na tristeza
de vida.

De têmpora a têmpora, a queimadura
deste quarteto matraqueado em palco
entra pelo picotado dos tímpanos
e comuta-se em labaredas
sensoriais em quem suspira
por uma levitação desde a raiz.

Queima-se em melodias e notas,
enquanto nós adoptámos pose
de figura
cavalgadora de sonhos,
de formas e de lugares
menos sombrios
que esta multidão pouco
iluminada.

O fosso espaçoso que nos separa
dos artistas está apinhado por mil
seguranças, porém,
há um filão violento
e cheio que nos une
à saída das notas,
à voz lírica,
ao mundo que começa ali, trespassa
quem escuta como setas de seda
e nos quebra o sangue que tínhamos
estrangulado na memória.

Palato cheio de ar, memória
virgem novamente, e ainda
nem sequer chegámos
ao encore.
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pedro s. martins















(tentativa #2)

Multidão em polvorosa, todos
são cada um à espera que da música
soem mentiras credíveis. Compasso atrás
de compasso,
viagens para longe da realidade que deixámos
com o rasgar do ingresso à entrada.

Silêncio e ouvem-se as flores das palmas
a pedir uma viagem de mentira momentânea
e fugaz.
Somos a multidão a ferver e a sofrer
de uma ansiedade ordenada. Palpa-se o estado
em transe. Cada um de nós, uma bolha; cada bolha
fonte de energia a ser canalizada para um patamar
de algo belo.
Ardem as notas, ferve a voz, compra-se
entretenimento para a recta que une
ambas as têmporas
e sentimos a geografia
do acontecimento a mudar de forma.

A surpresa de ser apanhado
no deflagrante espalhar
da imaginação conjunta a solo. Sentimentos
pululantes, imagens em forma
de notas musicais latentes. Tudo orientado
por um quarteto que não conduz a lentidão
com que a imaginação consome a matéria.

É o ofício de fazer voar sem asas; é o ofício
de fazer levitar num espectáculo
sem treino, é a intensidade do oco passível
de ser preenchido a bel-prazer do espectador
resultante
da realidade deixada à porta. Abanámos depressa
o corpo para sacudir a realidade. Força pura
de imaginação,
canção, cintilante,
pura, violência de confrontar os nossos nós
todos
neste eixo incandescente.

Dói, cansa, destrói,
somos a paisagem
lançada pelos instrumentos em palco,
cada bolha humana, matéria manipulada
in loco é libertação
de trauma concentrado por mentes
pré-preenchidas há muito.

Cadeira para baixo, música em pé, saltemos
como a cabeça de um fósforo quando
é riscada; ardamos as nossas vidas
fieis à recta que é o corpo
do fósforo.
Este é o momento, esta
é a banda sonora da vida que não temos
porque fomos capados
de livre-arbítrio há anos.

Destruam o que for preciso
enquanto os instrumentos tiverem voz,
matem as paisagens, queimem
fotogramas com a vossa alma
repleta de quadros recalcados. É a maldade
da vida que a música embala.

Quando a imaginação não der para mais,
rasguem o ar queimado com o faiscar
das palmas,
pois é sintoma
de que o encore
ainda está para chegar.
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pedro s. martins