quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

escara voltaica


(no words - from pat with honey)


Com o meu silêncio deixo-vos uma esperança

presa em fio de arame rúbeo juntamente

com a sórdida humanidade espalhada pelo chão.

Não terei a força de uma presa cega e colada

ao tampo deste poema


Deixo-vos também a condição dos relâmpagos

a escangalharem o breu como um vidro escuro

estilhaçado por rachas brancas. Não há calor

onde estou, nem luz em quem sou.


Resta-me observar ao longe o cair dos dias

sequencialmente na espera de algo que ainda

não deslindei. Com um pé atrás do outro, viajo

para a placenta. Regresso ao mumificar-me

eterno.


Não me preocupa os cordões ou o acordar

para o perder de uma vida que nunca foi minha. Finalmente,

farei jus ao título desta casa e comerei as limalhas caídas

destas linhas eléctricas sem dono ou tempo.


Porquê? – o amor. As vozes que me purificam o estado

das lutas em rosas à procura da seiva pura. Soube

que as letras não eram subterfúgio suficiente

para o assombroso apêndice do saber. Tudo o que sei

está-me na língua. Devorá-la-ei até que o fenómeno

do conhecimento vergue a constelação

que em mim pousou.


Esta leveza de mão desequilibra-me a alma. A fragilidade

dos poemas é cortante na profundidade das palavras. É

o tremor da moda a escalar na vertical e a escangalhar

o fôlego exaltante da poesia.


Há-de haver mais. Quando o prumo da quietude roçar

as faúlhas do uníssono: homem e palavra. Até lá, anda

muito ar queimado pelo padrão óbvio de somar sinónimos

pelos lábios da conjunta boca sôfrega.


Seremos o frescor da língua indestrutível.

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pedro s. martins

ardente

O norte de tudo é estéril. Não há

portadas e janelas com genes

a espreitar do seu interior. Chegámos

agora de um jardim que tem água

em vez de relva aos seus pés

um lago com cisnes estacados

pelas patas.


Só pode ser ironia, minha querida, digo-te

eu em retorno àquela pergunta:

“o que é que se passa aqui?”

Há musgo atracado à passagem das horas

com o consentimento do silêncio.


Vi nos teus olhos verdes que não querias

estar aqui. Seja. Rumámos a sul.


O sul de tudo é uma chama contígua

à extinção.

Arde o mundo com o mundo a assistir.

E os teus pais a verem pessoas a despedirem

a pele da carne e a dizerem entre eles:


“esta

televisão aquece muito, ainda vai queimar a

tinta da parede.”

Piscinas com água a ferverem a guisarem quem

se ia salvar

“a tinta vai ficar tisnada”


“vi a avó morrer à minha frente”

“não te queimes a abrir a porta do forno”


“perdemos tudo. tudo. tudo.”

“amanhã vamos ter que levar com esta maldita chuva”


Eu daqui via o céu,

laranja em tons de grito. E de todas

as vozes que me sacudiam os lençóis,

apenas me interessava escutar o rouco

respirar de quem ainda tinha

coragem de ir para norte,

onde as portadas e as janelas não

têm genes a espreitar do seu

interior.


Os genes do sul do mundo ardem com o próprio

nome no cerrar dos dentes.

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pedro s. martins

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

formas de vida


("formas de vida" de isabel padrão)

Com calma chegaremos ao renascer da natureza

humana. A força é uma palavra que comove quem

não a tem e que eleva invisivelmente quem baralha

os sinónimos da firmeza.


“Olha e contempla” – é assim que se distinguem

as várias formas de vida. Os que param tocados

no ombro por uma mão invisível (pode não ser a de

Júlio Resende) e aqueles


que ignoram e atravessam a olhar o horizonte

sem anotarem o enredo do poisio aflitivo

em profundidade.


Esta é a urgência que me reduz ao extermínio

da atenção. A decepção não está nas letras,

está no poema que as sova. Ainda havemos de baralhar

estas formas outra vez,


ainda havemos de bater no vidro e pedir para

entrar quando os pormenores não estiverem

a dormir.

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pedro s. martins

Minguante nº 13

É favor seguir por aqui e, posteriormente, perderem-se no resto desta edição.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

imbecil

O sopro é translúcido ao furo
do lume em mão adversa. A roupagem
de pobre no chão é a nova vida arrancada
alucinadamente aos buracos da pobreza.

Faíscas à força do destino. A perda da tua consciência
enxuta faz-se ao beberes os diamantes
segredos para os restantes compadres
instrumentos terrestres.
O grito fortuito dobra-te todo,
tolhendo-te a alegria
de seres o rico.

A descrição da tua ascensão e queda faz-se
sem vírgulas ou pontos de qualquer espécie. Bens
mortos a fazerem de ti abertura à criança dos
brinquedos caros que, à leia da inveja, encarna
os bons, os maus, os heróis e as damas em apuros
da narrativa que te escorre na mente.

Não és criança (em
tamanho) e insistes em encarnar o cenário
todo
desde o sorriso do sol às colheres
com que os generais guiam a sopa à boca.

Tens uma linha interna tão rica

que se brincasses aos médicos, serias tratador
e paciente numa única massa.

Imbecil.

Morrerias ao trocar a fala do cirurgião
com a dor da carne a ser cortada. E eu trabalho
para que este idioma chegue até ti. Ainda hás-de
arranjar uma fala cooperativa para as tuas
brincadeiras, agora que já não tens quatro anos
e meio.

Homem.

Abre o buraco da generosidade
à força e mete-te lá dentro. Prova o adoçar
até ao oculto de dares. Se mesmo assim insistires
em te plantares nas artérias e no oco, ascenderás
sozinho às botijas ásperas de morreres bêbado
de solidão.

Tens o mundo cingido à singularidade do pensar
na ascensão carregada. Na continuação, nenhuma
terra te vai querer.
Sente-se daqui a beleza do teu futuro
reduzido ao nome escrito num tronco de uma
árvore sem ramos para te rasurar a existência de vez.
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pedro s. martins

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

aquele amor

Da infância do renascimento até à tosca
arte de morrer é um passo em falso. Já
naveguei nessas plenas lufadas de vida
diversas vezes e em todas elas
me perdi a meio.

Agora, com oitenta e quatro anos outra vez,
sinto na pele ter falhado mais três ou quatro
saídas no caminho até aqui. Cedi os números
de contacto às velhas mais velhas que eu.
Nenhuma me ligou. Disse-me a cacofonia da rudeza
que todas elas alegaram estarem a praticar a tal
arte que já mencionei – meninos, falo-vos da rude
queda. Da rude queda. Da queda.

Queda.

Sou o filho
exilado nas gralhas de uma despedida
em suspensão.

Sou o pai
do decreto na maldade que esta janela mostra. Indaguem
esta espécie de ano humano e verão a suspeita
de uma presença oca patrocinada pela cegueira de
alguém que já acenou um adeus com a mão descrita
a seguir.

Eu, Horácio, tenho uma ruga em cada dedo e um dedo
por cada vez que abandonei. Juntos, somos o ano
de mil novecentos e noventa e seis e eu, catatónico de profissão,
fico aqui à espera da fasquia dobrável em mentalidades.

A tristeza está na vossa insistência em se partirem aos pedaços
de remoinhos cegos.
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pedro s. martins

este amor

Escuta as peças a caberem no útero da gaivota apaixonada. Assusta-me tanto este uso excessivo da gaivota como metáfora para bailarina de rua. Para a próxima chamar-lhe-ei ostra. Escuta como a gaivota se preocupa com a ostra. Sente a solidariedade que há no reino que não é animal. A certeza da incapacidade de deslocação para ofereceres um prato de sopa sem ser Natal?

(silencio o silêncio com uma mordaça feita de linho ou trapos ou papel ou.)

Há um novo riso na cidade de boca sem lábios, ou lábios sem expressão. Não era riso, era assobio que devia ter escrito. E mal da cidade quando chegar o dia em que tenha que explicar o assobio como metáfora para indiferença face às gaivotas ou ostras.
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pedro s. martins

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

costura da dignidade

Da devassidão provocada pelo colocado
explícito no mundo, há uma provocação interina: a ambiguidade
do vício de fabricar vida insondável pelo azedume
comum dos mortais.

O luxo do talento temporal é cada vez mais comparável
às folhas do plátano – pulseira do pulmão
centrifugador
das matérias arteriais
fervilhantes cancerígenas apanhados
pela boca.

Há algo em mim, contorcionista de fôlegos,
a pedir
cobro à ressaca da humanidade. Impera por aí
a alucinação como forma de sobreviver por nós a nós.

Aliás,
a alucinação é uma arte com florescimento
em todos os vãos de humanidade.

Desatem os vossos orifícios receptores e dêem
vida ao iodo tranquilizante que vos corre nos
poros feitos pelo crivar dos dados anunciantes
da exacerbada prostituição de valores.

Morramos pela costura da dignidade.
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pedro s. martins

sábado, 14 de fevereiro de 2009

flor rija

Uma vez mais acende-se a renúncia
ao amor.

Que a morte a embebeda;

(e)

que o animal raro a celebre;

(e)

a pirâmide que não seja invertida, hajam ainda
animais raros a contemplar o dia de ontem;

(e)

a ferida não seja estancada para arder ao
pairar sobre o teu nome.

O espaço é contíguo ao lavrar provocado pelo movimento
da língua lenta.

Choras nos punhados de ouros que o acervo de felicidade
não considerou como forma de pagamento. Mesmo que não tenhas
gente alguma que ouça, o sangue desmanchado pela escrita
lírica de uma posta fervilha-te a rude existência

de viveres a ilustração dos frescos representativos
do amor não correspondido.

Sentes o fósforo a riscar-te a pele?
É a paga de não teres uma mão capaz de manobrar
com elegância os sentimentos que te ocupam
o peito sentado.

O grosso da dor atravessa-te o sono, servindo apenas
para atrasar o seu início. Abaixo da dor, apenas as ondas
que persistem em te atirar a existência contra o molhe.

[e]

Outro tremor de quem não sabe onde deixou a irredutível
presença baldia. Ávida e inculta, perdeste a alma gémea
para outra rapariga que não tem alma, nem é gémea
de criatura alguma.

Jubilava com a tua incessante busca, mas a rouquidão que me
assola a garganta dos passos prejudica-me o desamor
do andarilho.

Tens a finura de uma metástase encardida a lutar para o estio
da reconquista. O teu medo de não reencontrares a alma que perdeste
está-se a transformar numa maneira sagaz de te ires matando aos poucos.

Espero-te nas noites dos gritos cosidos com ponto Richelieu.

Até lá, resta-me vigiar as têmporas à espera que o corpo luzindo
trará celeridade ao nosso reencontro
sobre as massas doces.
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pedro s. martins

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

sem título ou alegria

Chegaste brasileira grávida
na tranquila semana em que o corpo
do tempo escoava pela contagem dos
meses para o vão
do útero.

Chegaste tu e mais dois, os gémeos.
O folhear do jornal ensina-me que te
encontraste com as biqueiras
de um grupo neo-nazi. E o baixo foi novo profundo,
a respiração fazia-se pelas veias subterrâneas
à vida.

Quanto tempo? Dez minutos.

Para seres esventrada com armas brancas. Dois futuros na
sarjeta. A singularidade de quereres
subir mais uma vez à flor
branca desprovida de terra
para ouvir o falso uníssono que ias ser mãe. O velho
consolo partido por estares a falar em português.

A pele não mostra esperança, água ou o beijo. Tem iniciais
cravadas na tentativa de te reduzir a gado prometido. Falharam-te
como progenitora e o próximo amanhecer será o mais
despido de sempre.
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pedro s. martins

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Uma promessa ainda é uma premissa


Ilda David

Uma promessa ainda é uma premissa.


Escalo esta verdade ao provar a tua morte em frio. Atordoado,

tua postura ainda é a daquela que passou pela vida

numa gôndola silenciosa de tanto escamotear

a ferrugem dos dias.


Cento e cinquenta anos em vegetal. Quadro dias na boca

do mundo. O resto da vida a pensar no que poderia ter sido

amanhã. Fica o insone atípico de quem assobia para dentro

da vida, não de si. Fica por aí a reluzir nas albas.


“A arte perdida de manter um segredo” é mais do que

o título de uma música dos Queens Of The Stone Age.

Se porventura fosse “A arte perdida de achar uma vida”

serias tu embrulhada nos lençóis caseiros

a ir à janela do não ter nada espreitar a chuva.


Não é.


E o meu prazer em escrever isto é diminuído pelas pulgas

que a cadela da nossa vida me trouxe ao pêlo. Uma promessa

será sempre uma premissa enquanto eu continuar a chorar

um pontapé numa pedra ou o ferrar na própria garganta.


Releio a vida e esqueço a formatação do poema pomar. Relia-te

a ti, mas há muito que deixaste de saber desenhar letras. Entristece-me

não haver editora para te publicar a existência. Haveria de ser uma

primeira edição muito concorrida a um posfácio escrito

à sombra da tua premissa.

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pedro s. martins