Começa a fecundação da morte
com a janela aberta ao mundo. Pássaros
a inventarem harpas com as asas
e loucuras
cantadas de bico em bico. Tomas
na ferida esta bênção ignota
que não faz adivinhar
o homem deitado
de pés juntos à cadeira.
Cadeira aproximada, arcadas
do inferno mais próximas no começo do
final. Corpo enroscado na cadeira, persiana
corrida e a matéria deixa de ser
absorvida pelo coração não batente. O calor
deixa de ser combustão nas veias, é a perda
final da inocência terrestre.
Fio de luz traduzido em
reflector maldito da argila que é
o teu joelho errante. Da sala pouco se vê,
sombras e espectros de espinhos dançando
imóveis por ti. Se estás morto,
não vale
a pena continuar a berrar a infância
perdida algures antes deste poema
começar.
Preto e pleno
sangue pastoso suspenso
neste último fotograma. Já não te vejo
espelhado em nada – podes até já nem estar aí – apenas
a recordação do trio inicial que retrata
a tua morte em fotogramas. Dia
sensível,
porta, fogo, cabelo e pele desapareceram na troca
para esta noite marmórea. Resta
a contra-luz em forma de cruz
que é aviso dos furos na persiana. Levanta-te
e não podes.
Caminha e rejeitas. Vive e morrerás junto à cadeira
que te viu nascer.
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pedro s. martins
(poema inspirado no trabalho “Anatomia da Morte” de André Fonte. Trabalho divulgado no segundo número da revista praza.)
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