Parados no tráfego das rotinas
cansadas do final da tarde,
tínhamos a sensação de ter chegado tarde
para o momento que escapava ao estômago e ao fígado. Venenos
com quatro (e
duas) rodas entupiam a esperança da cumplicidade
pontual. Atrasados para tudo como nesta geração,
preocupados
contudo ao contrário desta geração,
revolvíamos os bolsos
para encontrar a sorte de não sermos
o eleito para contactarmos os visitados. Era mesmo assim
que não desejávamos este final de tarde. Durante a extracção do telemóvel
popular – semana 49 – em vez de alguém a gritar os cinco
mil contos, a branda cassete que há muito estava
em tom menor dentro do auto-rádio, dá a virtude
da sonoplastia
aos Blindmelon.
A minha geração conhece os Blindmelon, conhece os Candlebox
mas não quer conhecer atrasos
com garrafas de tradição por se jantar em pasto alheio,
ou pior,
uma caixa de pasta de ambrósio para dar a entender
que contrariamente não estamos ali contrariados. Nunca percebi
o porquê da morte não escorrer nos molhos dos assados servidos
a convidados contrariados. Nunca tive aulas
de como bem mentir – há mestres na área – mas sei que estou a ganhar pontos
nas aulas do acaso. A “Rain” do Blindmelon antes de levar batatas, arroz,
frango (não podia estar menos interessado
na ementa) à boca a nadar
em estricnina
com cenouras bebés como
bóias salvadoras.
Estava tão bem no carro a ouvir Blindmelon.
Se a morte viesse ter comigo nua e excêntrica; atrasada
como eu. A ouvir uma cassete antiga como eu, tanto e tal como eu,
e talvez fosse eu o pedaço de comida
regada com veneno para ela.
Eu morria com ela e ela morria a deliciar-se comigo. E se a morte me matar,
quem sobra para servir a sobremesa?
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pedro s. martins
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