sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Nossa Senhora do já lá fui

Parados no tráfego das rotinas

cansadas do final da tarde,

tínhamos a sensação de ter chegado tarde

para o momento que escapava ao estômago e ao fígado. Venenos

com quatro (e

duas) rodas entupiam a esperança da cumplicidade

pontual. Atrasados para tudo como nesta geração,

preocupados

contudo ao contrário desta geração,

revolvíamos os bolsos

para encontrar a sorte de não sermos

o eleito para contactarmos os visitados. Era mesmo assim

que não desejávamos este final de tarde. Durante a extracção do telemóvel

popular – semana 49 – em vez de alguém a gritar os cinco

mil contos, a branda cassete que há muito estava

em tom menor dentro do auto-rádio, dá a virtude

da sonoplastia

aos Blindmelon.

A minha geração conhece os Blindmelon, conhece os Candlebox

mas não quer conhecer atrasos

com garrafas de tradição por se jantar em pasto alheio,

ou pior,

uma caixa de pasta de ambrósio para dar a entender

que contrariamente não estamos ali contrariados. Nunca percebi

o porquê da morte não escorrer nos molhos dos assados servidos

a convidados contrariados. Nunca tive aulas

de como bem mentir – há mestres na área – mas sei que estou a ganhar pontos

nas aulas do acaso. A “Rain” do Blindmelon antes de levar batatas, arroz,

frango (não podia estar menos interessado

na ementa) à boca a nadar

em estricnina

com cenouras bebés como

bóias salvadoras.

Estava tão bem no carro a ouvir Blindmelon.

Se a morte viesse ter comigo nua e excêntrica; atrasada

como eu. A ouvir uma cassete antiga como eu, tanto e tal como eu,

e talvez fosse eu o pedaço de comida

regada com veneno para ela.

Eu morria com ela e ela morria a deliciar-se comigo. E se a morte me matar,

quem sobra para servir a sobremesa?

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pedro s. martins

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