segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Struwwelpeter

Para o Peter Altenberg

Walter Benjamin foi um mártir dos dias enublados,
masturbou os sentidos para que outros não tivessem que o fazer.
Faz-me feliz saber que sentiu o corpo
aquentado de Haxixe. Viu e reviu lugares, onde se destacam as ruas de Marselha
cortadas a régua e esquadro. Dou dois ou três passos no poema, outros tantos
na manobra do pensamento e, como discípulo atento, descubro mais um número
infindável de aparas de perguntas que se ergue
como estátuas vaporosas
em honra de alguns seres mimados, se perfilam como as estações na serpenteante
linha férrea até ao Tua.

Porque é que a recordação do haxixe é menos
rica às três e meia da tarde? Não há tanta gravitação depois do almoço. Já
não há o medo de estragar a folha de papel
onde se escreve com a nossa própria sombra – eu tenho medo de azedar a fermentação
do poema, tremendo com medo que esta massa de sílabas
e vogais nunca cheguem a levedar.
Benjamin diz-me que um início da tarde pautado pelos gritos
da droga lhe trás à memória fases satânicas. Todos nós temos fases
satânicas coaguladas em versos já escritos ou por escrever. Talvez não acredite no Belzebu
para este poema que está a ferver-me do altar-mor; talvez no próximo se o lodo infestar os
versos.

Vejo cada vez melhor os teus fulcros, ímpetos que te levam
a mencionar Odilon Redon onde “aquele aceno ambíguo que vem do nirvana é mais visível”,
não será isso fruto distorcido pela devastação da memória, ou o pleno vergar
do corpo à queimadura global onde os acenos são todos matemáticos? Imagino-te agora a ver as
coisas com a precisão de um miúdo a brincar ao arco
e flecha na feira medieval. Acerto e lembras-te; falho (e tantas vezes falhei, ou o miúdo, não eu) e
não te lembras. Parece que embrenhas tanto a fraqueza
corpórea como a mental - é certo que o livro de Kafka que te meteram nas mãos
não ajudará muito - será mais importante que o meu coração
aumente na sessão continuada de escalada até às teias que te cobrirão
as pálpebras por esta altura do poema.

É como dizes: vamos lavar a vida no rio do tempo. Vamos. Mas antes, pega-me por esta mão
ferventemente melancólica (ou mão de menino sem dono)
e dá-me respostas como as que estão escritas
no Struwwelpeter.
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pedro s. martins

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