domingo, 25 de janeiro de 2009

Afurada




fotos gentilmente cedidas por Pat – from pat with honey


Resquício de cidade

que

se quer eleita às tuas cavalitas. Bairro de

bairros,

com o sol de frente e mochileira

de morros íngremes como os sonhos

dos que amam morar-te. Afurada que fazes de mãe

quem não te odeia por não seres flecha clarividente

de pureza na verve.

Jogas às escondidas com quem passa;

Revelaste

clareira de subtilezas para quem fica. Menina

de pescadores, senhora sempre a chapinar

os alicerces no Douro e a piscar o olho

ao braço de terra que de ti nasce e belisca os

chiques na outra margem, aquela que eles

querem sã e puritana.

Deito-me em ti e sinto-te fria. Mostras-me sem pudor

as encruzilhadas ruas de linhas lidas numa palma

dorida pelo calo de quem cose redes para

levar o pão à boca e brinca o insulto com

os putos que por aí vão gizando o destino

com travessuras de quem não quer o sério

de morrer no mar; De quem não quer o

taciturno morrer cinzento.

Por vezes,

quando me permites, espreito-te dos

joelhos para os pés e vejo cemitérios de

barcos fundidos na crosta do rio. Morridos

gritos, ossadas em madeira dos que já não dão

mais nada para a mesa, dos que afundaram-se a trazer

vida à costa.

Cicatrizes cravadas na carne de quem os teve

que deixar lá, ao abandono humano; à brincadeira

dos cardumes mais afoitos.

Afurada,

de meninices

eternas

e

bailaricos à moda de um ontem estático com

a aprovação

do

São

Pedro.

Bailaricos em que esquecemos os morros que te fazem corcunda,

os berros ecos dos que ficaram “por lá”, os putos

a ouvirem insultos enquanto trepam, rasgam, gritam, pintam, cantam,

dançam, crescem, insultam, namoram, desencontram-se para se encontrar

na procriação

da tradição ao romper seco dos foguetes

com a Arrábida testemunha.

E vives tu,

aí em baixo,

com brincos de alegria fitados

por quem passa e não fica por beber do medo

daquilo a que a tua fama te foi moldando.

E ficas tu,

sozinha com os teus,

entregue ao sol que te alumia a cara e

te faz abraçar com o teu emaranhado

os que de ti cumprimentam a manhã

que agora nasce.

******


pedro s. martins




4 comentários:

  1. na superfície da terra ou da água... esperamos sempre mais profundidade, até encontrarmos, por fim, peixes da obscuridade e vermes da decomposição.

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  2. Ca:mila,

    a tua escrita parece chegar dessa profundidade. Longe de estar em decomposição.

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  3. Olá Pedro
    É com muito gosto que venho voar sobre os teus poemas.
    Gostaria apenas de te dizer que será possivel que não os comente, pois poesia para mim é sentida! Apenas consigo escrever a minha poesia, a dos outros, sinto o que os outros escrevem à minha maneira e na maioria das vezes não consigo reproduzir para palavras...
    Seja como for, voarei por cá a cada post novo teu!

    Beijos

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  4. Borboleta,

    Muito obrigado pela sua visita, será sempre bem-vinda. Cada um sente e ressente à sua maneira.

    Espero apenas que no seu silêncio consiga ser tocada pelo que for lendo aqui.

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