quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

cadeira branca em terracota desintegrada


foto gentilmente cedida por José Manuel Vilhena - Ruinologias



o meu pensar é criança

a correr descalça por entre

ribeiros

de água cristalina.


A minha solidão é

a sua avó.


A minha tristeza, de tão fria que é,

transformou a chuva que lhe caia

sobre o cocuruto em neve.


- Olha, neva cá dentro, onde a hipófise

é nome de rua ou apartado.


A completude deste choro por inteiro

serve para não te voltar a perder, autor

criança de obra maior do

que abranges

entre mãos.


A facilidade de retornar ao andarilho

estanca e cintila como

as côdeas

de memória que fui semeando até chegar

aqui:


precipício onde todas as errantes

raízes me tomam os pés

como seus.


Faço o caminho inverso.

Degusto

as côdeas uma por uma

e quando dou

por mim estou na maternidade à espera

que me cortem o cordão umbilical.


Daqui a 25 (vinte e cinco) anos

percorrerei

de novo este caminho,

de novo a comer

as côdeas que me foram caindo

dos bolsos.


Tudo,

(sem margem para nada)


apenas como uma diferença.


Então saberei

que amar em silêncio é como

o ranger das gengivas nuas

depois

dos dentes que por ali iam acasalando

terem-nas deixado

ao eterno abandono.


E que a terracota de que serei feito

será padrasto de todos

os moldes personificados

que o meu

corpo ostentará sobre uma

cadeira alva, no dia do meu

segundo

vigésimo quinto

aniversário.

******


pedro s. martins

11 comentários:

  1. Obrigada por me teres convidado a vir até aqui, onde já estive várias vezes e te comentei, salvo erro. Beijos.

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  2. Apenas para não cair em esquecimento.

    Sobretudo, espero que goste daquilo que por aqui vai lendo.

    Beijos

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  3. Nascer e renascer, isso é fato, tantas vezes vivenciamos.Belo poema, gostei de ler nas entrelinhas.

    Beijos carinhosos.
    Cleo

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  4. Excelente poema, como de resto são a maior parte dos que aqui publicas. Espanta-me a muita qualidade da poesia que vou vendo nos blogs, espanta-me ainda mais, ou não, as dificuldades que se encontram nos caminhos da publicação em papel impresso.

    Em poesia, como em muitas outras coisas, o valor principal é o da originalidade da forma, a capacidade de plasmar a nossa impressão digital na obra - E a tua impressão está nos poemas.

    Escrevo isto com independência mas também com pouco conhecimento de causa, isto porque, talvez por me faltar musicalidade, sou um poeta capado, por isso prefiro guardar força para as prosas.

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  5. Pedro,esta cadeira,para mim,representa um daqueles momentos em que somos só luz,ou sombra,e nos limitamos a isso.
    Acho as suas palavras doridas.A vida só é fácil para quem não repara nela.Gosto do poema por isso.
    um abraço
    JMV

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  6. nuuuhsa... muito bom

    " A minha solidão é
    a sua avó. "

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  7. O amor que ama em segredo
    Só pode ser uma traição
    Que se esconde atrás da máscara do medo
    Planejando ir logo pro caixão.

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  8. Mais oui, continua bom o tempo aqui, e lá fora o nevoeiro...

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  9. Existem por aqui comentários que são melhores que o próprio poema.

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  10. Fazer o caminho inverso. Morrer e renascer quantas vezes for preciso...
    Gostei do poema. Um abraço.

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