sábado, 31 de janeiro de 2009

somos a imagem da imagem

[Procurar esboço de imagem na imaginação de cada um. Imaginem a imagem. deixem a imagem imaginar-vos]


A imagem que ilustra este poema não

me consegue sair da cabeça. Parece

pregada com sôfregos beijos a cada

um dos hemisférios. Sei que vou

passar meses até que consiga

aparar as gregas

de granito que este fotograma

inédito

me deixaram a levitar na mente.


Rótulas, unhas, até as águas

que percorrem todo o corpo

são o espelho desta imagem. Como

pode algo tão belo irromper-me

a luz interna com tanto

negrume?


Não sei, nem tenho que vos responder.


Sei que estarão a pensar que fui eu

que captei aquele fotograma numa festa,

funeral, casamento, acidente qualquer.


Não fui. Juro que não fui.

Foram vocês.


Quando cheguei aqui hoje de manhã,

já ouvia a respiração daquele instantâneo

etéreo.

Abrasa-me a vida toda sem que lhe

tenha pedido tal exercício.


Sentem o lume a chegar-vos ao fundo da boca?


Visão superlativa do mundo em que vivemos. É a guerra

do protagonismo recorrendo a objectos arcaicos de labaredas

imóveis.


Escrevo com o pensamento. Tenho os dedos imóveis

a segurar a fervura do retrato.


Será homem, mulher, criança ou idoso? Será uma paisagem

demolida pelo flash? A minha têmpora está naquele instante.


Hábeis talentos terão dado corpo a tanta arte visual.


Espera. Tem tento nas palavras e impõe a esta rédea

de dança térmica.


Seguiram-me até aqui? Ainda a conseguem ver, ou já

vos percorre o sistema sanguíneo em arrepios

de um ritmo que não controlam.


O que vêem? Até onde é a imagem que é este poema

vos levou?


Sinto-me matéria sombriamente descrita

e observo

ao longe a vossa curiosidade a criar uma

ilusão de algo no vosso espaço interno.


Em língua lenta, o que vêem?

******


pedro s. martins

4 comentários:

  1. Que forte.
    Muito bom. Muito físico.
    Dá pra sentir o texto.

    ResponderEliminar
  2. Em linguagem lenta? Vi aquilo que sinto...É bom ler-te.

    ResponderEliminar
  3. Maudlin,

    não fazes ideia do quanto me satisfaz que alguém consiga ver aquilo que sente nas minhas (nossas; vossas) letras.

    Sê muito bem-vinda ao escara.



    Obrigado a todos que sentiram e viram através do poema aquilo que estava desenhado em vocês.

    ResponderEliminar