quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

ardente

O norte de tudo é estéril. Não há

portadas e janelas com genes

a espreitar do seu interior. Chegámos

agora de um jardim que tem água

em vez de relva aos seus pés

um lago com cisnes estacados

pelas patas.


Só pode ser ironia, minha querida, digo-te

eu em retorno àquela pergunta:

“o que é que se passa aqui?”

Há musgo atracado à passagem das horas

com o consentimento do silêncio.


Vi nos teus olhos verdes que não querias

estar aqui. Seja. Rumámos a sul.


O sul de tudo é uma chama contígua

à extinção.

Arde o mundo com o mundo a assistir.

E os teus pais a verem pessoas a despedirem

a pele da carne e a dizerem entre eles:


“esta

televisão aquece muito, ainda vai queimar a

tinta da parede.”

Piscinas com água a ferverem a guisarem quem

se ia salvar

“a tinta vai ficar tisnada”


“vi a avó morrer à minha frente”

“não te queimes a abrir a porta do forno”


“perdemos tudo. tudo. tudo.”

“amanhã vamos ter que levar com esta maldita chuva”


Eu daqui via o céu,

laranja em tons de grito. E de todas

as vozes que me sacudiam os lençóis,

apenas me interessava escutar o rouco

respirar de quem ainda tinha

coragem de ir para norte,

onde as portadas e as janelas não

têm genes a espreitar do seu

interior.


Os genes do sul do mundo ardem com o próprio

nome no cerrar dos dentes.

******


pedro s. martins

2 comentários:

  1. Extremos são perigosos, pois raramente deixam brotar a flores da diversidade, sendo que elas são tão lindas.

    Fique com Deus, menino Pedro Martins.
    Um abraço.

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