Este pedaço de corpo
abraça o pedaço de corpo
que está ao meu lado na multidão.
Somos massa compacta na espera
que a ardente melancolia da música
nos escave fendas na tristeza
de vida.
De têmpora a têmpora, a queimadura
deste quarteto matraqueado em palco
entra pelo picotado dos tímpanos
e comuta-se em labaredas
sensoriais em quem suspira
por uma levitação desde a raiz.
Queima-se em melodias e notas,
enquanto nós adoptámos pose
de figura
cavalgadora de sonhos,
de formas e de lugares
menos sombrios
que esta multidão pouco
iluminada.
O fosso espaçoso que nos separa
dos artistas está apinhado por mil
seguranças, porém,
há um filão violento
e cheio que nos une
à saída das notas,
à voz lírica,
ao mundo que começa ali, trespassa
quem escuta como setas de seda
e nos quebra o sangue que tínhamos
estrangulado na memória.
Palato cheio de ar, memória
virgem novamente, e ainda
nem sequer chegámos
ao encore.
******
pedro s. martins
(tentativa #2)
Multidão em polvorosa, todos
são cada um à espera que da música
soem mentiras credíveis. Compasso atrás
de compasso,
viagens para longe da realidade que deixámos
com o rasgar do ingresso à entrada.
Silêncio e ouvem-se as flores das palmas
a pedir uma viagem de mentira momentânea
e fugaz.
Somos a multidão a ferver e a sofrer
de uma ansiedade ordenada. Palpa-se o estado
em transe. Cada um de nós, uma bolha; cada bolha
fonte de energia a ser canalizada para um patamar
de algo belo.
Ardem as notas, ferve a voz, compra-se
entretenimento para a recta que une
ambas as têmporas
e sentimos a geografia
do acontecimento a mudar de forma.
A surpresa de ser apanhado
no deflagrante espalhar
da imaginação conjunta a solo. Sentimentos
pululantes, imagens em forma
de notas musicais latentes. Tudo orientado
por um quarteto que não conduz a lentidão
com que a imaginação consome a matéria.
É o ofício de fazer voar sem asas; é o ofício
de fazer levitar num espectáculo
sem treino, é a intensidade do oco passível
de ser preenchido a bel-prazer do espectador
resultante
da realidade deixada à porta. Abanámos depressa
o corpo para sacudir a realidade. Força pura
de imaginação,
canção, cintilante,
pura, violência de confrontar os nossos nós
todos
neste eixo incandescente.
Dói, cansa, destrói,
somos a paisagem
lançada pelos instrumentos em palco,
cada bolha humana, matéria manipulada
in loco é libertação
de trauma concentrado por mentes
pré-preenchidas há muito.
Cadeira para baixo, música em pé, saltemos
como a cabeça de um fósforo quando
é riscada; ardamos as nossas vidas
fieis à recta que é o corpo
do fósforo.
Este é o momento, esta
é a banda sonora da vida que não temos
porque fomos capados
de livre-arbítrio há anos.
Destruam o que for preciso
enquanto os instrumentos tiverem voz,
matem as paisagens, queimem
fotogramas com a vossa alma
repleta de quadros recalcados. É a maldade
da vida que a música embala.
Quando a imaginação não der para mais,
rasguem o ar queimado com o faiscar
das palmas,
pois é sintoma
de que o encore
ainda está para chegar.
*******
pedro s. martins
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é um prazer sempre renovado apreciar o teu registo poético.
ResponderEliminarbeijos
Hopelandish. :)))
ResponderEliminarOh Pedro......!!!!!
ResponderEliminar.
abraçO.
Dois registos poéticos que se completam. Poema dos sonhos. Dos sentidos. Da música da memória.
ResponderEliminarBeijos.
abraço.
ResponderEliminarbelíssimos poemas.
o meu aplauso e a minha admiração.
dois poemas que se completam com belas palavras e sentires.
ResponderEliminarparabéns!
Escara Voltaica! Tem boa sonoridade. De onde vem?
ResponderEliminarOlá Eloisa,
ResponderEliminarnão vem de lado algum. É a conciliação de duas palavras que têm um grande significado para mim. Juntas, representam ainda melhor isto que aqui se vai passando.
pedro
PS: obrigado a todos.