domingo, 28 de dezembro de 2008

Cidade (de) ferida

quando sobre a cidade pesa um grito severo
fiquem a saber que não estão
a viver com a boca no casulo. Há muito que
deixaram o útero primário. Há muito
que consagraram o vosso poisio em
útero secundário sem lhe pedir
autorização por tal intromissão.

quando vos
ferram sons de sirenes, doem-me
as veias por saber que vão passar mal.
alguém vai passar mal, alguém anónimo (espero)
está a passar mal.

imaginem

que habitam dentro do vosso corpo e
têm no coração paços do concelho e nas artérias
seres que se matam mutuamente. tudo num tom
ruidoso truculento que vos irrompe a legitimidade de
apenas estar.

miúdos a jogar à bola no vosso esófago
substituídos
por
partilhas de
tiros nos pulmões.
recreios de escolas trocados por balázios crivados
na parede
do estômago.

vocês a lancharem nos músculos da coxa por
facadas covardes no cerebelo. Tudo combinado
para as dezassete (17) horas de uma quinta-feira qualquer.
tudo trocado em simultâneo.

e não tinham culpa de nada, eram
apenas mapa pacifico a delimitar
uma área violenta.

se fossem palco de tamanho espectáculo, mesmo
que desejassem ser estátuas graníticas,
ainda que vos empedernissem o nome debaixo dos vossos
pés.

até podiam morrer durante tal feira de flagelos
o vosso último suspiro ia soar a
sirene gritante para que
terceiros soubessem que desfaleciam
numa urgência.
******

pedro s. martins

9 comentários:

  1. Não digo nada que seja novidade: és um Poeta. Foi bom teres(-me) aparecido assim, como prenda de solstício :).
    Que os bons caminhos se abram para ti.

    Um beijo.

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  2. Nu e cru como alguns aspectos da fria realidade. A nova marca da poesia, do nosso século. Menos doce mas que se entranha..

    Beijo

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  3. um poema forte, sensível, tocante, moderno. Gostei. Abraço, Adriana

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  4. guarda-chuvas abertos na garganta.

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  5. Agradeço-vos os comentários tão generosos.

    pedro

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  6. Olá Pedro

    Agradeço a visita e vim ler os seus poemas com os quais me identifiquei. Até que ponto a cidade e o ser humano já não serão uma única identidade, na distopia emergente da realidade contemporânea!

    Aproveito para lhe desejar um Bom Fim de Ano.
    Até breve,
    Isabel

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  7. Obrigada pelo email!Fez bem em tirar da gaveta!:)

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  8. forte. o suficiente para nos mexer nas entranhas.



    receio que já tenhamos perdido a legitimidade de apenas estar...

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  9. "O valor das coisas não está no tempo em que elas duram,
    mas na intensidade com que acontecem.
    Por isso existem momentos inesquecíveis,
    coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis".
    (Fernando Pessoa)
    Venho desejar um Feliz Ano Novo e dizer que no ano de 2009 estarei mais presente no teu Blog.
    Beijo
    Conceição Bernardino

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