quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

menina nua


foto de António Amorim, Nov. 2008

O diabo está à porta dos Clérigos. As subidas

à Lello provam-me que ando a pintar um

quadro defunto com o aspergir da vida

pelos dedos fundeados

em hábitos que não

me matam, vão-me

matando.


O Porto não é a cidade das

sete colinas. Porto é cidade

de alpinistas e vês. Não o verbo,

a letra. Quem me disser que dos

Clérigos a Santa Catarina não é um

vê perfeito está a mentir ou lê isto

sem ter mascado este cinzento.


Se morrer numa ida ao Porto, rezo para

que seja no vértice mais baixo da letra, ou

seja, em plenos Aliados. Sempre me pareceu

sítio idílico para trocar de vida, como tantos

trocam de botas. Como tantos troçam

de botas.


Ainda não me tornei lá defunto,

porque não quero ser enterrado num lago com

vista para os passos e as rodas do skate do puto

a martelarem-me a campa.


Se os aliados ainda fossem Aliados, podem

crer que ali jazeria. Já tinha cova marcada e tudo.

Quinto banco vermelho à esquerda, rente ao

senhor que ainda tem uma saca com pão velho

na mão.


Com os pombos

a debicarem-me o pé de fora todas as

manhãs e a menina nua do Moreira a aconchegar-me

o sorriso.

******


pedro s. martins


10 comentários:

  1. Linkagem mútua para Quintas de Leitura. cumprimentos,

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  2. Obrigado pela ligação. É sempre bom ver o nosso trabalho a espalhar-se por sítios de qualidade.

    Já sou visitante assíduo do “Quintas” há algum tempo.

    pedro

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  3. Muito, muito bonito. Parabéns pela sensibilidade. :)

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  4. Gosto do Porto. Também gostei muito do poema.
    Um abraço.

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  5. excelente. vi o Porto no teu poema.
    beijos

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  6. Que saudades de ir ao Porto, onde já vivi. Bela homenagem


    Abraços d´ASSIMETRIA DO PERFEITO

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  7. Resta-me agradecer-vos tão gentis comentários.

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  8. Ao ver a estátua da Menina Nua, veio-me à lembrança a Avenida dos Aliados de antigamente. Que linda, ela era...
    Adorei o poema.
    Beijinhos e bfs:)

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  9. Era nessa Avenida dos Aliados que eu não me importava de ficar.

    “Quinto banco vermelho à esquerda, rente ao
    senhor que ainda tem uma saca com pão velho
    na mão.”

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  10. Olá, Pedro Martins

    Obrigado por ter colocado uma foto minha e pela gentileza de referir a origem.

    Se eu soubesse que ia ter a honra de ilustrar tão belo poema, se calhar até já tinha feito uma foto mais recente e cuidada.

    Parabéns, obrigado e um abraço,
    Antonio Amorim

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