(trabalho gentilmente cedido por Joana Rêgo)
conheço a partida que fabrica o seu próprio adeus
enquanto continuo a pensar que partir é escrever
uma dezena de vezes “não gosto deste poema”
e aguardar pacificamente que o derradeiro
amadurecimento da escrita me bata no ombro,
como um cobrador numa camioneta e diga:
“o seu bilhete?”
tenho treinado para o obter. Todas as noites,
quando todos fingem não viver,
com as pálpebras cansadas
viajo para um corpo menos abatido
e lembro tudo o que por ali vai estando
vagamente esquecido.
não lhe chamaria mutação. Os operários
não se transmutam. Os barcos não
se transmutam. Eu sou a travessia operária
de costume em costume.
“o seu bilhete?!”
pálpebra aberta menino. Pálpebra
aberta sobre o rosto escuro. Simulando
alegrias e tristezas
sinto as veias
bombearem o que não é meu. Há-de
servir para responder
“está aqui” ao revisor.
“o seu bilhete!”
porque não vens comigo? Seremos seres
diluídos na trémula vivência dos outros,
correremos atrás do amadurecimento
da mão
como quem aguarda que as uvas pintem.
não tenho bilhete.
contudo, tenho alguém ao meu lado,
lúcida e apaixonada por quem sobreviverá
ao sono. A escrita deste poema? já disse,
não gosto deste poema, porque não gosto
de palavras que já foram utilizadas.
quem precisa da escrita quando o mundo está
a arder e as uvas a caírem num chão nu?
corpos sulcados com vista para um interior
luminoso. Sim, é isto
o importante.
vem comigo.
******
pedro s. martins
Não gosto deste poema.
ResponderEliminarNão gosto deste poema.
Não gosto deste poema.
Não gosto deste poema.
Não gosto deste poema.
Não gosto deste poema.
Não gosto deste poema.
Não gosto deste poema.
Não gosto deste poema.
Não gosto deste poema.
Por acaso até gosto do poema.
ResponderEliminarMas o seu comentário é notável!
um abraço
o comentário faz parte do poema. Pelo menos é essa a minha intenção.
ResponderEliminara derradeira prova como os comentários completam os poemas.
abraço
"o comentário faz parte do poema"...
ResponderEliminarótimo!!!
Reparem, no início do poema está escrito:
ResponderEliminar“conheço a partida que fabrica o seu próprio adeus
enquanto continuo a pensar que partir é escrever
uma dezena de vezes “não gosto deste poema”
E o meu comentário ao próprio poema que escrevi é a afirmação “não gosto deste poema” repetida dez vezes.
"aguardar pacificamente que o derradeiro
ResponderEliminaramadurecimento da escrita me bata no ombro", meu caro amigo pedro, não se pode, não se deve aguardar! não podes sentar-te, do teu lado azul, e esperar simplesmente o poema. levanta-te e vai procurá-lo, e escreve-o assim que o encontres, pois desse sei que gostarás :) um beijo.
alice, mas aquele não sou eu. Repara, o que eu digo é:
ResponderEliminar"enquanto continuo a pensar que partir é escrever
uma dezena de vezes “não gosto deste poema”
e aguardar pacificamente que o derradeiro
amadurecimento da escrita me bata no ombro,
como um cobrador numa camioneta e diga:"
e no final, digo que não tenho bilhete. "tenho alguém ao meu lado,
lúcida e apaixonada por quem sobreviverá
ao sono."
Tem razão em nao gostar do poema. Pois partir, significa deixar tudo para trás, e ninguem gosta de escrever sobre isso.
ResponderEliminarUma otima semana
Abraço
Mario Rodrigues
E quando isso acontece partir e depois estar vazio para escrever é mágico. E você aproveitou o momento.Bom poema.
ResponderEliminarMas só porque não gosta do poema, não quer dizer que não possa vive-lo...
ResponderEliminarFique com Deus, menino Pedro.
Um abraço.
eu gostei e senti o poema,quantas vezes me apetece deixar tudo para tras? tantas....
ResponderEliminarComo é escrever e não ser eu? Memória ou sonho sou sempre eu que estou nas palavras.
ResponderEliminarE a catarse dá-se... mesmo que não se goste e, provocantemente, se confesse.
Como sempre... desconcertante e atraente a tua escrita... que tu és!
Um abraço!
não gostei deste poema.
ResponderEliminarmas gostei de não ter gostado!
hehe
(Gostei deste poema,...Muito!)
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