quarta-feira, 11 de março de 2009

laranja

(ilustração gentilmente cedida pela Tamara Alves - Urban Jungle)

(para o joão g.)


Sei que dia é hoje porque em direcção
a um lugar carregado de planetas
um fluxo de crianças deslumbradas
cruzava a rua,
todas vestidas de laranja.

Sei que dia é hoje porque do outro
lado uma senhora (dona senhora), agrupa
pontas de cigarro ex-abrasadas,
todas vestidas de laranja.

Vi-a daqui:
a cada cilindro beijado descoberto no lancil, o seu peso
arrastado até ao coração. O sangue estremece
e a pesada pedra do quotidiano
derrete-se em seiva sobre a sua boca,
deixando-lhe o interior um pouco mais
perto de estar descosido de movimentos
pungentes.

É no centro deste mundo que a ferida
é mais inocente e húmida. Fascinado,
permaneci territorialmente
à espera que as crianças
se cruzassem com a dona senhora (estimada dona
senhora).

Sentia-se o clarão do chispar entre gerações,

até que uma menina fica de pupilas exaltadas. Via tudo
na varredora (estimadas donas senhoras há muitas)
e é agora uma lenta estátua a arrastar-se da meninice
até que seja ela a varrer pontas de cigarros fumadas por
alguém nesta linha temporal:

eu.
******

pedro s. martins

14 comentários:

  1. curiosa, muito curiosa, esta tua poesia.............

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  2. Frioleiras,

    mas agrada-te ou não? É que há muita coisa má e que é curiosa.

    pedro

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  3. A passagem do tempo descrita de uma maneira tão sutil e tão poética. Não sei se certa, mas é o que percebi nesses versos, belos versos.

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  4. Adriana, depois de estar aqui, o poema é aquilo que quem o ler quiser.

    Gostei da tua interpretação.

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  5. Que é o tempo? Sem resposta, sei que dói. O teu poema tem uma beleza dolorida...

    Abraços.

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  6. Assim como o oceano só é belo com o luar
    Assim como a canção só tem razão se cantar
    Assim como uma nuvem só acontece se chover
    Assim como o poeta só é grande se sofrer
    Assim como viver sem ter amor não é viver

    (Vinícius De Moraes/tom Jobim)

    Desejo a voce um resto de semana maravilhoso
    Abraços. Eduardo Poisl

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  7. lentas estátuas a arrastar a infancia
    .
    ladrilho inocente carregado de planetas

    fascínio no território do olhar

    _____

    e foi deslumbre

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  8. Pedro: realmente uma fila de laranjinhas. Curiosamente chamei-lhe tangerinas (talvez por serem tão pequenos). Soube que correu bem ontem. Fico feliz. O poema é, para variar, belo e triste. Gostei de ver a ilustração da Tamara e de conhecer o trabalho dela. Obrigada.

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  9. pedro, ouso dizer que este é o seu melhor poema (dos que li, claro). nossa, como é lindo e consegue transitar por tantos lados, sociais, internos, feminis, marginais, de ruas e tabacos. ah, e a música, a música. é minimalista :)

    no mais, partilho da idéia de que o poema só é do autor no momento da criação, depois, é de quem o lê :)

    beijos, querido <3

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  10. Tens um futuro deslumbrante pela frente, Pedrito!

    Desculpe estar um pouco ausente do blog. Minhas aulas na facul começaram!

    Bjos...

    http://amorfilosofoamor.blogspot.com/

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  11. Gostei da fusão imagética/cromática

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  12. Apesar de nao ser feito na Bimby, é muito bonito Pedro.

    E logo eu, que adoro o laranja. :)

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  13. Sempre haverá um choque de gerações, mas as vezes nem tanto, pois se conseguimos manter aquele espirito de jovialidade do inicio da nossa vida, não teriamos tantas diferenças assim...

    Fique com Deus, menino Pedro.
    Um abraço.

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