segunda-feira, 27 de abril de 2009

imolado

(imagem cedida por Gabriela Rocha Martins - .canto.chão.)



É preciso matar baixo junto
da pensão no centro de Lisboa. Havia
um homem que se purificava no orvalho
do sexo oposto dentro.
O orvalho de anos a vestir-se de mulher; mulher
a vestir-se de homem.

Em Lisboa a comprar roupa para a sua personagem
do dia. Não havia pêlo no seu corpo que não
jubilasse de alegria por ser outro
que não ele.

O sangue de alguns corre
na felicidade do fogo, e ele era fonte,
ele era combustível,
ele era seiva ardente,
ele foi acendalha suave
para divertimento de quem
lhe ateou fogo.

Enquanto na fogueira se procura
a labareda, no fósforo a chama,
no homem imolado o dispersar
da luz contida na raiva. Algures na paz
da terra mãe, o grito solo do terror
pai.

Não vi a imolação, estava fora
deste mundo, mas a multidão pagadora
de bilhete para o espectáculo,
adjectivou o acontecimento de, pasmem-se,
“macabro e misterioso”.

Mesmo, mesmo,
mesmo que o chinês estivesse preparado
para a morte, três dias bastaram
para que o archote da nossa carne conjunta
se consumisse em gritos
fulminantes

que batem
em cheio entre os ossos
e as veias.

E então, imolado no meio da rua, olhando,
escutando, sei que os veios de ouro
foram caçados pelo caçador,

será esta massa rúbea aquilo
a que o beijo de poeiras interiores chamava
de amor.
******


pedro s. martins

3 comentários:

  1. Uma definição do amor um bocadinho dificil de entender...

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  2. de facto a imagem enquadra.se ,perfeita mente ,num poema feito de "carne" ardente

    ou labaredas incandescentes

    .
    um beijo

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  3. Fico agradado que tenha gostado do enquadramento.

    beijo,
    pedro

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