terça-feira, 31 de maio de 2011
quinta-feira, 5 de maio de 2011
vésperas da paz
um vaso de gerânios, uma mesa
um livro aberto no chão, a folhear
o vento e a manhã, na varanda
a andorinha agarra-se à parede
e explode o voo no desenho das asas
Rui Nunes, "Ofício de Vésperas", Relógio D'Água, 2007.
um livro aberto no chão, a folhear
o vento e a manhã, na varanda
a andorinha agarra-se à parede
e explode o voo no desenho das asas
Rui Nunes, "Ofício de Vésperas", Relógio D'Água, 2007.
quarta-feira, 4 de maio de 2011
«Não tenhas confiança na tua juventude.»
Noites de tabaco com resina
de Marrocos, pequenos quartos
onde a música era enorme.
As ruas pulsavam, eram coisas
mortais, o pensamento um carrossel
de monstros vivos. E nós os únicos,
os mais sós, os mais relapsos
no caminho que descia do devaneio
à angústia. Esquecidos das horas
num qualquer degrau perdido,
o futuro era aterrador: it will end
in tears. E tudo o que sabíamos
estava errado, menos isso.
Rui Pires Cabral, "Oráculos de Cabeceira", Averno, 2009.
de Marrocos, pequenos quartos
onde a música era enorme.
As ruas pulsavam, eram coisas
mortais, o pensamento um carrossel
de monstros vivos. E nós os únicos,
os mais sós, os mais relapsos
no caminho que descia do devaneio
à angústia. Esquecidos das horas
num qualquer degrau perdido,
o futuro era aterrador: it will end
in tears. E tudo o que sabíamos
estava errado, menos isso.
Rui Pires Cabral, "Oráculos de Cabeceira", Averno, 2009.
MB
Amputou milhares de pernas -
De brancos, de vermelhos, de incertos,
De guelfos e gibelinos, de cátaros -
E assim fez a mão.
Depois, escreveu muito melhor.
Em plena revolução,
Só o diabo entendia o amor.
Nuno Rocha Morais, "Últimos Poemas", Quasi Edições, 2009.
De brancos, de vermelhos, de incertos,
De guelfos e gibelinos, de cátaros -
E assim fez a mão.
Depois, escreveu muito melhor.
Em plena revolução,
Só o diabo entendia o amor.
Nuno Rocha Morais, "Últimos Poemas", Quasi Edições, 2009.
terça-feira, 3 de maio de 2011
Revérbero negro
Às vezes assusta-me este novo riso que tenho. Não que antes
não risse, mas exactamente porque antes ria e este riso não ri.
Apenas revérbero negro do que seria um sorriso se alguma
alegria o tomasse. Só que não há alegria e o riso perpetua-se
negro sob o céu pesado do olhar de outros que se perguntam
e com razão: estará a ficar louco? Por mim nunca me coloquei
a questão (é o olhar deles que me assusta). Nos dias a questão
foi sempre outra: como sobreviver a esta dor sem pausa?
como atravessar este grito sem fim? É para ela que o riso é
solução.
Jorge Roque/Guilherme Faria, "Broto Sofro", Averno, 2008.
não risse, mas exactamente porque antes ria e este riso não ri.
Apenas revérbero negro do que seria um sorriso se alguma
alegria o tomasse. Só que não há alegria e o riso perpetua-se
negro sob o céu pesado do olhar de outros que se perguntam
e com razão: estará a ficar louco? Por mim nunca me coloquei
a questão (é o olhar deles que me assusta). Nos dias a questão
foi sempre outra: como sobreviver a esta dor sem pausa?
como atravessar este grito sem fim? É para ela que o riso é
solução.
Jorge Roque/Guilherme Faria, "Broto Sofro", Averno, 2008.
UM FIO SOLTO
para o Jorge Roque
Encontrá-lo aí mesmo, como se
pendurado no vazio. Desenredá-lo levemente
e puxar, procurando aquele ponto de tensão
sem, no entanto, o encontrar. Puxar mais e
mais, fervorosamente. Daí a nada
mais parece que é o fio que te puxa a ti.
E puxa, horrorizando-te, enquanto
imaginas que costura do teu mundo
agora se descose.
Diogo Vaz Pinto, "Nervo", Averno, 2011.
segunda-feira, 2 de maio de 2011
SOBRE A ETERNIDADE
Perguntaste-me há quanto tempo
as folhas se levantam sem cair.
Falavas se calhar da eternidade sem querer,
da mesma forma inocente com que adormecias
ou pousavas o copo de vinho sobre a mesa.
A única forma encontrada
era a breve inocência das coisas
repousada na tua própria dúvida.
E eu tinha a certeza que não eras daqui,
como eu sou,
como ninguém é.
Verificados todos os silêncios.
António Quadros Ferro, "Um Pouco de Morte", Edição do Autor, 2009.
as folhas se levantam sem cair.
Falavas se calhar da eternidade sem querer,
da mesma forma inocente com que adormecias
ou pousavas o copo de vinho sobre a mesa.
A única forma encontrada
era a breve inocência das coisas
repousada na tua própria dúvida.
E eu tinha a certeza que não eras daqui,
como eu sou,
como ninguém é.
Verificados todos os silêncios.
António Quadros Ferro, "Um Pouco de Morte", Edição do Autor, 2009.
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